“No JRS tentamos ao máximo conhecer as suas histórias”
Quando acabei o ensino secundário, o ano passado, candidatei-me à faculdade e depois decidi congelar a matrícula e fazer um ano sabático onde me pudesse dedicar a 100% ao voluntariado. Ao contrário do que é mais habitual nesta etapa da vida, decidi que queria passar a maior parte deste ano a fazer voluntariado cá em Portugal. Posto isto, comecei a enviar emails para todo o lado e todos os dias procurava projetos novos de voluntariado em que eu pudesse ser útil e com os quais eu me identificasse; foi numa destas procuras que encontrei o JRS.
Quando comecei o meu voluntariado trabalhava na parte da Comunicação, mas umas semanas mais tarde, mudei-me para o Gabinete de Emprego, para o atendimento ao público. A nossa função no Gabinete de Emprego é ajudar os nossos utentes a procurar emprego, a fazer currículos e a obter os contratos que depois os ajudam a adquirir a residência. O trabalho que eu tenho vindo a desenvolver neste gabinete tem sido dos mais desafiantes, frustrantes e, simultaneamente, dos mais gratificantes que já tive.
Desafiante porque não tem nada a ver com alguma coisa que eu alguma vez tivesse feito e não está relacionado com nada que eu tenha aprendido na escola ou que possa ser ensinado numa sala de aula. Para além do processo de procura de ofertas de trabalho adequadas e da criação de currículos, este trabalho consiste maioritariamente em ouvir as pessoas, conhecer as suas histórias e tentar perceber aquilo que elas são capazes e que gostavam de fazer, tendo sempre de conjugar isso com as ofertas que temos. Acho que o mais difícil é mesmo ter de estabelecer a ligação entre aquilo que gostávamos de que a pessoa fizesse e o que é realmente possível ela fazer.
Isto pode tornar-se muito frustrante quando nos deparamos com situações em que tal não é possível, como por exemplo a história de um senhor guineense que tinha sido enfermeiro a vida toda, mas como não tinha nada que comprovasse a sua experiência, nem documentos nenhuns para além do passaporte, apenas se podia candidatar a cargos na construção civil, trabalhos de armazém ou, no máximo, no cuidado a idosos.
Temos também a situação oposta quando, por vezes, atendemos senhoras já com 40/50 anos que nunca trabalharam na vida (ou eram vendedoras ambulantes ou trabalhavam na agricultura); não andaram na escola ou apenas completaram o ensino primário e entretanto chegaram a um ponto na vida em que não podem voltar para o país onde viviam e em que se não arranjarem trabalho não têm dinheiro para dar de comer aos filhos ou para pagar a renda da casa.
Apesar de as querermos ajudar e de ficarmos comovidos com a sua situação, ficamos um pouco sem saber o que podemos fazer. E torna-se cada vez mais difícil ver sempre as mesmas pessoas, todas as semanas, a procurar uma coisa que nós sabemos que pode até nunca aparecer e ter sempre de dizer “hoje não temos nada, vamos continuar a procurar” ou “hoje não há ofertas, volte para a semana”.
No entanto, e isto pode parecer um cliché gigante, tudo isto vale a pena quando no meio de cinco “nãos” podemos dizer um “sim”, quando podemos dizer a alguém que temos uma proposta ou que já marcámos uma entrevista e ainda mais quando é um trabalho que a pessoa queria mesmo e quando o salário é justo. Para mim estes momentos são aqueles que mais me motivam a continuar e acordar todos os dias às 7 da manhã para apanhar o comboio, o metro e o autocarro: poder ver aquele sorriso na cara das pessoas e ouvir os seus agradecimentos tem sido das melhores experiências que já tive na minha vida.
O que eu aprendi neste ano e em todo o tempo que estive no JRS foi que se tivermos a coragem de sair da pequena bolha em que vivemos e se estivermos dispostos a dar mais de nós às outras pessoas, vamos crescer imenso e ganhar capacidades e competências que nunca poderíamos adquirir dentro de uma sala de aula ou num emprego “normal”. Uma outra associação onde eu faço voluntariado tem um lema que diz “conhecemos as pessoas pelas suas necessidades, vamos conhecê-las pelos nomes” e é exatamente isso que fazemos aqui no JRS. Não tratamos as pessoas como se fossem “os imigrantes”, “os refugiados”, “os desempregados”, tratamo-las pelos nomes e tentamos ao máximo conhecer as suas histórias.
No final deste ano, quando tiver de finalmente regressar à vida académica faço-o sabendo que vou ter sempre um sítio onde posso voltar, onde fui extremamente bem acolhida e onde todos me ajudaram. Faço-o sabendo que, apesar de ter dado o meu melhor, posso não ter tido um impacto tão grande como queria na vida das inúmeras pessoas que conheci, mas que todas elas tiveram um impacto enorme na minha vida e na pessoa que sou hoje.
Inês Gassin, 18 anos
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