“Em São Tomé nem acreditam que já estou a trabalhar!”
Desde pequeno que o corpo, teimoso, inchava. Atirava-o impiedosamente para a cama, logo a ele, que adorava trabalhar: assim que terminava a faina do atum e os barcos atracavam na areia imaculada das praias de São Tomé, arregaçava as mangas para lavrar a terra. Celso Pedro tinha uma doença que nem médicos nem curandeiros conseguiam diagnosticar – um cansaço extremo, os membros inchados e uma prostração castradora.
Em 2013, a condição agravou-se. Celso começou a perder sangue e foi internado no hospital. Ao fim do terceiro dia soube que sofria de falência renal – um dos rins estava inativo enquanto o outro funcionava deficientemente. Em São Tomé, quando os rins falham, não há máquina que os substituam: “Não há aparelhos para a hemodiálise e quem sofre desta doença tem de ser tratado em Portugal”, diz Celso. Ao longo de quase um ano, Celso ia resistindo, mas os sintomas agudizavam-se. Até que, finalmente, teve autorização para tratamento em Portugal. “Os médicos disseram-me que se passasse mais uma semana sem tratamento em São Tomé, morria”. Enquanto, empurrado pelas nuvens, trocava de hemisfério, Celso calculava quanto tempo precisaria para regressar para junto dos seus pais e sete irmãos, voltar a sentir a água cálida do seu mar e entrar na roça dos seus amigos. “Pensava que ia ficar em Portugal durante a cura mas que rapidamente voltaria a África”, lembra. “Nunca pensei que ia ficar a viver aqui”.
No Hospital de Santa Maria, disseram-lhe que precisava de três sessões de diálise por semana até conseguir uma vaga para transplante renal. O são-tomense vivia então em casa da tia, em Santarém, e as sistemáticas deslocações para Lisboa tornaram-se demasiado cansativas. Através da Segurança Social, tomou conhecimento do JRS e mudou-se para o Centro Pedro Arrupe.
“A adaptação inicial foi muito difícil. Como sou muito calmo e gosto de estar no meu canto, não tenho muitos amigos e não podia andar por aí a conhecer Lisboa. Estava sozinho e com muitas saudades da família”, diz. “Mas o pessoal do centro ajudou-me muito, principalmente com a autorização de residência. Com a ajuda da Rita, consegui legalizar-me num espaço de seis meses. E no centro temos tudo o que precisamos – água, comida a toda a hora, carregam-nos o passe, quarto gratuito, máquina de lavar, máquina de secar e podemos passear à vontade, desde que cheguemos antes das 23h”.
Celso já tinha abrigo, cuidados médicos e documentos, mas para a plena integração faltava-lhe conseguir um trabalho. Ao abrigo de uma parceria entre o JRS e o Grupo Jerónimo Martins, entrou no programa Capacitação4Job, começando por um período de formação que lhe permitiu depois estagiar no Pingo Doce do Lumiar. “Depois do estágio, fiquei cerca de um mês à espera até que me ligaram para me oferecerem emprego no supermercado de Telheiras. Fiquei muito contente. Primeiro, avisei a malta do centro e depois liguei para São Tomé, mas a minha família nem acredita que eu já posso andar e falar, quanto mais trabalhar. Eles viram-me muito doente e não se convencem de que eu já estou a fazer uma vida normal. Até mandei umas fotos a um amigo pelo Facebook, mas nem assim deu para eles caírem na realidade”.
Para mostrar à família que está como novo, Celso anda a poupar dinheiro para ir a São Tomé. Será a primeira coisa que fará quando tiver um novo rim, libertando-o assim das visitas obrigatórias à unidade de diálise de Santa Maria. “Quero ir lá matar saudades e voltar, porque agora tenho aqui a minha vida”. O atum que pescava está agora nas arcas frigoríficas do supermercado, congelado, como o seu sonho de voltar à sua ilha paradisíaca. Até lá, Celso ocupa o seu tempo a procurar um DJ que lhe imponha o ritmo para os seus bailes e canções de kuduro e kizomba. “Como aqui quase não saio, sinto tanto a falta de dançar”, desabafa. E como não há dança africana para bailarinos solitários, o são-tomense quer ainda trazer um dos seus irmãos mais novos, para o apoiar caso a sua maleita o impossibilite de trabalhar.
Partilhe...