“Arrancaram as flores de jasmim pela raíz. É a guerra.”
Qualquer passo para o desconhecido é uma história de dor. Especialmente para os sírios que estavam habituados a acolher quem fugia da guerra
I.
A viagem em busca de asilo parece uma história interessante para algumas pessoas. Mas, para um refugiado é uma viagem de vida.
É tão difícil ver que os passos que damos estão a levar-nos para longe do lugar onde crescemos e onde vivemos os dias de infância e os dias mais bonitos das nossas vidas.
É tão difícil ver que a distância entre nós, a nossa família e os nossos melhores amigos está a aumentar.
Qualquer passo para o desconhecido é uma história de dor. Especialmente para os sírios que estavam habituados a acolher muitas pessoas que fugiam da guerra.
Em 1872, a Síria acolheu circassianos.
Em 1915, a Síria acolheu arménios.
Em 1942, a Síria acolheu gregos.
Em 1948, a Síria acolheu palestinos.
Em 1990, a Síria acolheu kuwaitianos.
Em 2003, a Síria acolheu iraquianos.
Finalmente, em 1996 e 2006, a Síria acolheu libaneses.
Ainda me lembro do cheiro das flores de jasmim na minha rua a caminho da escola. A minha cidade chama-se “cidade do jasmim”. É Damasco, uma das mais antigas capitais da história. Todas as cidades sírias tinham em comum a vantagem de podermos encontrar todos os grupos étnicos e religiosos, onde todos vivíamos e crescíamos juntos sem qualquer diferença ou racismo.
A Síria era a jóia do Médio Oriente.
Até que há quase seis anos, tudo mudou no meu país. Até a cor do céu ficou cinzenta e o cheiro do sangue começou a sentir-se em todo o lado. Arrancaram as flores de jasmim pela raíz. É a guerra.
II.
Ninguém escolhe tornar-se um refugiado. Desde o início da guerra, a viagem de sofrimento para as famílias sírias começou. O nosso maior objetivo passou a ser encontrar um local seguro para as nossas crianças.
Por alguma razão, foi vontade de Deus que eu e a minha família nos fixássemos em Portugal.
Há dois anos, um novo capítulo das nossas vidas começou com muitos desafios. A primeira dificuldade foi a língua; aparentemente, ainda enfrento algumas dificuldades com o português, também devido ao número limitado de cursos de línguas.
Mas esta não foi a única dificuldade que encontramos. Arranjar um trabalho adequado às nossas qualificações sem a proficiência da língua foi a nossa maior preocupação.
Hoje, considero-me uma pessoa de sorte.
Primeiro, porque contei com uma amiga portuguesa que deu o seu melhor para me encontrar um trabalho adequado.
Segundo, porque faço parte da equipa do JRS, que me rodeou de cuidados e apoio e me disponibilizou as ferramentas necessárias para me tornar num membro ativo da comunidade. Trabalho como intérprete e mediadora.
Este trabalho foi o impulso que me levou a estender a mão e a prestar apoio às pessoas que precisam realmente de ajuda e de todas as nacionalidades. É muito gratificante poder viver ambos os lados desta experiência.
Esta foi também uma boa oportunidade para apresentar a cultura do meu país à comunidade local. Eu sei que sou diferente em muitas coisas. Religião, cultura, e mesmo no meu modo de vestir. Mas nada disto foi um impedimento para me tornar um membro da família do JRS.
Mas o que realmente me fascinou foi testemunhar o trabalho árduo de tantas e diferentes organizações e instituições portuguesas de todo o país, desde câmaras municipais, juntas de freguesia, escolas, hospitais, igrejas, Irmãs, Cruz Vermelha, etc, que estão a dar o seu melhor e a intensificar esforços com os recursos limitados que têm para providenciar as melhores condições para que aqueles que acabaram de chegar possam estabelecer uma nova vida.
Gostaria de expressar o meu respeito e o meu reconhecimento a estas pessoas.
III.
Estas coisas mágicas fizeram-me adorar este país. A simpatia e a hospitalidade das pessoas são duas coisas que irão ficar para sempre no meu coração.
Os países não são apenas terra, edifícios ou ruas. Os países são valores humanos.
A caminho do trabalho, passei à frente de flores de jasmim e cheirei-as. O cheiro era diferente. Mas deu-me esperança outra vez.
Há sempre uma oportunidade para a vida continuar. Uma oportunidade de um novo começo. Especialmente para as pessoas que sempre foram criativas e que conseguem vingar quando e onde quer que se estabeleçam.
Por fim, quero agradecer ao meu marido o seu apoio e a força que me deu para continuar.
Ghalia Taki, síria, colaboradora do JRS desde 2015 (centro de atendimento do JRS, secretariado técnico da PAR, equipa do JRS presente no Centro de Acolhimento Temporário para Refugiados da CML)
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