“A minha ambição é tirar um curso superior!”
Quanto um homem pode dar de si em nome de um sonho? No caso de Ernesto Gomes, de 30 anos, tudo. O guineense cresceu sem pai, foi criado pela tia na pequena cidade de Canchungo, na Guiné-Bissau, e sempre quis ter um curso superior. Com esse objetivo, rumou à capital, Bissau, para estudar Contabilidade. “Mas tive graves problemas nos olhos e tive de desistir logo no primeiro ano”, diz. Abdicou daquele curso, mas não da ambição.
A sua cunhada pagou-lhe um curso intensivo de eletricista, ao mesmo tempo que o empregou na sua loja de sementes e arroz, como responsável do armazém. Todavia, as capacidades de Ernesto excediam as exigências das suas funções. Entrou na Orange, a maior empresa de telecomunicações da Guiné-Bissau, como vendedor, persuadindo os transeuntes a aderir a novas campanhas, comprar cartões ou mesmo telemóveis. Logo no primeiro mês, foi o melhor vendedor. Num ápice, o rapazinho de Canchungo foi promovido a supervisor de vendedores e depois convidado para trabalhar na maior agência da companhia. “Ganhava pouco mais de 100 euros, mas tinha contrato, que já não é mau”, conta Ernesto. “Mas eu queria ter formação superior porque sabia que sem ela não conseguiria subir mais, além de que podiam facilmente despedir-me para empregar outra pessoa com formação”.
Assim, quando um homem de meia-idade chegou à TopInternacional, uma associação da qual era membro, dizendo pertencer à ICDI (Instituto para a Cooperação e Desenvolvimento Internacional) e prometendo bolsas de estudo para universidades portuguesas, Ernesto não hesitou. “Paguei-lhe mais de 2 mil euros que, segundo ele, serviriam para cobrir as propinas do primeiro ano. Nos dois anos seguintes seriam eles a patrocinar os meus estudos”, recorda. O funcionário daOrange ainda desconfiou mas houve sinais que lhe transmitiram confiança: “Até enviaram técnicos de Lisboa para irem a Bissau fazer-nos testes”. Ele passou. Pediu uma licença sem vencimento e pôs-se num avião a caminho de Lisboa. Chegou em 2013, no dia de Natal. “Lembro-me de estar muito triste e de ter muito frio”, conta.
A prenda que recebeu por tão arriscada mudança de vida vinha envenenada. O suposto dirigente da ICDI revelou que já não havia financiamento para a bolsa: “Ele nem contou a verdade. Disse somente que o dinheiro tinha desaparecido”, diz Ernesto. Não estava sozinho. Outros 17 guineenses tinham sido burlados pelo mesmo esquema, passando para as mãos de um impostor todo o dinheiro poupado no decurso das suas vidas. Seria expectável que um destes 18 lesados avançasse com uma queixa judicial ou que, em desespero, se tentasse vingar do vigário. Mas nada aconteceu. Os jovens guineenses não têm dinheiro para pagar a advogados e as custas do tribunal, temem que as responsabilidades inerentes ao juízo os façam perder dias de trabalho e almejam ainda receber parte do dinheiro de volta. Ao mesmo tempo, não podem voltar para trás, pois perderam todas as poupanças e as famílias nunca os perdoariam. Dos 18 guineenses enganados pelo presumível responsável da ONG, nenhum voltou para casa. “Como a instituição é guineense, somente podemos tomar ações judiciais quando regressarmos a Bissau”, explica Ernesto. Mas está enganado. O que explica a passividade é a pobreza. Quem rouba pobres sabe que estes têm menos possibilidades de se defenderem, porque a defesa é cara, e estes temem ficar ainda mais pobres.
Ernesto recomeçou do zero e, depois de uma temporada com a prima, em Loures, chegou à receção do JRS. Foi encaminhado para o Centro Pedro Arrupe (CPA), onde ainda passou tempos conturbados no desemprego. Depois de delineado o seu projeto de vida e da intervenção multidisciplinar da equipa no centro, Ernesto foi, felizmente, contratado pelo Club Internacional de Foot-Ball (CIF), no Restelo, para trabalhar ao balcão do bar. Recebe o salário mínimo que, ainda assim, lhe serve para pagar a renda de um quarto na Amadora e as propinas do irmão, finalista de Admnistração, em Bissau. “Só quando o meu irmão se licenciar é que posso entrar na universidade”, diz. “Mas esse continua a ser o meu grande objetivo”.
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