Ângela Marques: “Continuar no meu país o trabalho e dedicação que dei durante tanto tempo, tão longe”
Tenho 35 anos, sou licenciada em Relações Públicas e Publicidade e fui profissional em diferentes vertentes de comunicação, desde a conclusão da minha licenciatura, em julho de 2007 até dezembro de 2015, quando fiz a minha primeira missão humanitária no campo de transição de refugiados de Gevgelia, Macedónia. A vida muda assim, num passo que acreditamos pequeno, mas que nos vira ao contrário e nos mostra o caminho certo. Voltei, fiz as malas, fui – em fevereiro de 2016 optei por não renovar o meu contrato de trabalho como gestora de projecto numa agência criativa e dedicar-me exclusivamente a esta causa que hoje é parte do que me define no que sou.
Na Grécia foram 3 anos de amor e ódio, 3 anos que se sentem como uma janela de nada, face à imensidão do que ficou, 3 anos que pesam como décadas na medida emocional do que vivi, do que dei, do que trouxe, do que mudei, e do que sou hoje. Voltei para retomar uma vida onde eu já não sou a mesma que partiu, com um foco bem definido: continuar no meu país o trabalho e dedicação que dei durante tanto tempo, tão longe – sabendo que o que o quero fazer é continuar a trabalhar para uma causa maior que eu.
E foi assim que ingressei na equipa do JRS no Centro de Acolhimento Temporário de Refugiados, em Lisboa. Aqui somos a primeira casa de quem chega em busca de um novo começo e juntos procuramos, todos os dias, ajudar cada uma das pessoas que acolhemos a construir um lar e a sentir que Portugal é também o seu país agora. Este é um trabalho com novos desafios para mim – habituada a um contexto onde tudo é mais urgente e imediato – aqui o nosso dia a dia é feito de muitas frustrações e poucas vitórias, face aos tempos de resposta dos processos documentais e algum desconhecimento do enquadramento legal por parte dos serviços públicos que os processam – é sabida a dificuldade que temos enquanto cidadãos para navegar os serviços de segurança social e finanças, isto tem uma dimensão exponencialmente maior quando falamos de requerentes de asilo e refugiados, uma população com parâmetros legais muito específicos e uma realidade para a qual, enquanto país, não estamos ainda correctamente enquadrados.
Simplificando ao máximo, o processo de acompanhamento no CATR começa à chegada, no Aeroporto. Acompanhamos os nossos parceiros (CML) desde o momento da recepção e somos nós, JRS, que vamos desde esse momento trabalhar o processo de integração de cada individuo, até este ser colocado numa das casas de acolhimento do programa, onde terá apoio de outra instituição parceira (a Crescer) até à conclusão do mesmo. Embora não seja estanque o período de permanência no centro até passagem para a casa – dependerá sempre de inúmeros factores, no limite da disponibilidade de espaço – podemos falar de uma média superior a 6 meses (dizem-me que no passado tivemos casos de cerca de um ano!). Durante este período desenvolvemos todo o plano e acção de acompanhamento psicossocial, e apoiamos a passo e passo os processos de saúde e documentais, bem como a aprendizagem inicial da língua.
Estou nesta equipa desde setembro apenas, mas sinto-me em casa desde o primeiro dia, encontrei aqui o sentido de missão que me move e a entrega com que me identifico. O meu desafio pessoal agora é vencer a barreira das limitações orçamentais e de dimensão de equipa e, a médio prazo, conseguir promover mais actividades de inclusão e desenvolvimento de comunidade (Community Building), que, acredito, são um ponto essencial para uma construção saudável dos papeis sociais do individuo na sociedade.
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