“É muito bom que celebrem esta liberdade que aqui é uma liberdade real”
Durante 30 anos, a Guatemala viveu uma guerra civil muito violenta que, em 1992, resultou num acordo de paz e num regime democrático. Ainda assim, o Governo e as Forças Policiais, muitas vezes, cedem à corrupção e aterrorizam e alimentam-se da classe média. O perigo, as ameaças e a extorsão fazem parte do dia-a-dia dos guatemaltecos. Em 2019, morreram cerca de 800 pessoas vítimas do crime organizado.
Dora e Luís são os dois da Guatemala e chegaram a Portugal no passado dia 13 de março. São casados, têm um filho adolescente e uma filha mais velha, casada e com filhos. Quando vieram para Portugal, deixaram toda a família na Guatemala. Apesar de falarem muitas vezes, a preocupação e as saudades pelos que deixaram não pára de crescer. Vieram para Portugal à procura de liberdade. “Aconteceram muitas coincidências boas desde que chegámos. É muito bom que aqui celebrem a vossa liberdade. É muito bonito terem posto os cravos vermelhos nas armas, é muito bonito”, dizem.
Dora e Luís conheceram-se quando trabalhavam na mesma empresa, casaram e montaram a sua própria empresa de construção civil. Com o que iam conseguindo juntar, construíram a sua casa. A empresa e a família foram crescendo, quando em 2015, pela primeira vez, foram alvo de extorsão. Sem saber reagir e a acreditar que não se repetiria, pagaram. Mas em novembro do mesmo ano, voltaram a ser ameaçados. “Fomos à polícia pedir ajuda, mas disseram-nos que pagássemos o que nos pediam. Nós não tínhamos o que nos pediam.” E adiaram o assunto o mais possível. Ficando numa situação muito complicada, acabaram por vender um carro e uma máquina da empresa e pagar. Continuaram a trabalhar, até que em setembro de 2016 entraram-lhes em casa com armas, comeram, mexeram em tudo e pediram ainda mais dinheiro. Mais uma vez pediram ajuda à polícia, que foi negada.
Luís conta: “Poucos dias depois fui raptado, taparam-me os olhos, bateram-me, não me deram de comer, nem de beber. Despiram-me e estava muito frio. Eu percebi que estava numa montanha pelos barulhos que conseguia ouvir. No fim deixaram-me sozinho numa estrada muito longe de qualquer cidade, apanhei boleia de um autocarro que me deixou nos bombeiros, mas eu estava muito magoado. Durante estes três dias, continuavam a ameaçar a minha mulher. Foi uma situação muito difícil para mim, mas ainda mais difícil para ela. Nesta altura percebemos que tínhamos de fechar a empresa. Não ia continuar a ter uma empresa para lhes continuar a dar dinheiro. E fomos viver para casa dos meus pais.”
Um vizinho ensinou-lhes tudo sobre o negócio de venda de carne de porco. E em março de 2018 abriram um novo negócio. “No primeiro dia vendemos tudo o que tínhamos. Foi muito bom.”, explica Luís. A paz durou até novembro de 2018, quando as mesmas pessoas apareceram, e deram-lhes 15 dias para voltarem a fazer um pagamento. Tiveram de fechar o negócio e decidir sair da Guatemala. “Nesta altura já nem tínhamos nada para vender.” Antes de conseguirem sair, viveram fechados durante 3 meses num apartamento pequeno. O pai de Luís pediu um empréstimo para poderem comprar bilhetes. Apanharam um avião para Amesterdão, por ser mais barato, e chegaram a Lisboa no dia 13 de março.
Escolheram Portugal por serem muito devotos de Nossa Senhora de Fátima. Mas mesmo que só tenham chegado há um mês, Luís assume as diferenças. “Aqui sim é liberdade. Liberdade de expressão, de caminhar à noite sem perigo de ser assaltado, as pessoas podem ter negócios, serem empreendedores e ninguém as ameaça. Que continue a ser um país com liberdade e sem violência. É muito bom que celebrem esta liberdade que aqui é uma liberdade real.”
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