Acordo UE-Turquia: dois anos depois, a posição do JRS Europa
Durante esta semana, assinala-se o segundo ano da existência do chamado “acordo UE-Turquia”. Os Estados europeus e as instituições da UE veem neste acordo uma ação bem-sucedida que magicamente trava as chegadas de migrantes forçados à Europa.
Infelizmente, a verdadeira magia deste acordo foi tornar invisível o sofrimento e a injustiça que existe nas fronteiras europeias. No entanto, este sofrimento e injustiça não desapareceram, tendo até piorado. Graças ao acordo, os políticos têm uma justificação para não agir .
Dois anos depois, o JRS Europa apela aos decisores políticos da UE e nacionais a não aceitar a lógica do acordo como normal, deixar de tentar replicá-lo noutros países e direcionar a energia para a criação de caminhos seguros e legais para migrantes forçados.
Proliferação de “negócios sujos”
O acordo UE-Turquia, adotado pelos Estados-Membros da UE e pela Turquia no dia 18 de Março de 2015, é o acordo segundo o qual a Turquia se compromete a readmitir todos os migrantes que chegam às ilhas gregas vindos das costas turcas de forma irregular. Por sua vez, os Estados Europeus comprometem-se a receber um refugiado sírio vindo da Turquia por cada sírio enviado de volta.
Muito tem sido dito sobre a falta de legalidade deste acordo, que desafia as noções de proibição de remoções coletivas e da existência de travões nas fronteiras. As chegadas às ilhas gregas diminuíram acentuadamente. Menos pessoas perderam a vida duramente a travessia (também menos pessoas partiram). Emergência resolvida, portanto. Legal ou não, o fim justifica os meios. Os decisores políticos europeus e nacionais começaram a estudar como reproduzir este tipo de acordo noutros lugares. A Itália assinou um memorando de cooperação com a Líbia, e recentemente Espanha pediu um acordo UE-Marrocos.
Longe da vista, longe do pensamento?
O facto de que, apenas dois anos depois deste acordo, os decisores políticos não reflectirem sobre a realidade sem a existência de um acordo UE-Turquia, é preocupante a muitos níveis. Em primeiro lugar, este tipo de acordo vive de uma lógica de externalização de responsabilidades para proteger os migrantes forçados. Sob o pretexto de salvar as pessoas de morrerem no mar, cooperamos com países com registos de direitos humanos extremamente preocupantes para garantir que as pessoas nem sequer saiam. Mesmo que isso signifique que estas pessoas se possam tornar vítimas de todos os tipos de violação dos direitos humanos e ainda arriscar as suas vidas noutros lugares. Se repetirmos vezes suficientes a ideia de que não somos responsáveis, começaremos a acreditar que não somos.
Em segundo lugar, a emergência não terminou. As chegadas de migrantes diminuíram, sim. Mas as pessoas ainda morrem nas fronteiras da UE. Há registo de 446 mortes apenas nos primeiros dois meses e meio de 2018.
Para aqueles que conseguem alcançar as nossas costas, na maioria das vezes não encontram as “boas vindas” mais calorosas. Quem consegue chegar com vida terá de sobreviver às condições terríveis que as ilhas gregas, já sobrelotadas, concedem. O governo recusa-se a movê-los para o continente, pois segundo este acordo, a Turquia apenas recebe pessoas vindas das ilhas. O resto da Europa olha para o lado e permanece em silêncio. Noutras fronteiras europeias, como em Espanha ou na Croácia, as pessoas ferem-se nas cercas, é-lhes negado o acesso a asilo, são reprimidas…e assiste-se a uma crescente indiferença por parte dos media e dos decisores políticos.
Reverter a lógica: criar caminhos seguros e legais
A Europa deve parar de afastar as pessoas que procuram proteção. Precisamos de reverter a lógica e trabalhar em direção a um sistema de asilo e de migração que acolhe e protege as pessoas. Em vez de comprometer os nossos princípios de direitos humanos, devemos investir na criação de caminhos legais, políticas de reagrupamento familiar e vistos humanitários. A Europa pode ser um espaço de hospitalidade para os refugiados. A experiência do JRS em muitos países da UE mostra que os cidadãos europeus já estão a construir essa Europa. Os políticos devem segui-los.
JRS Europa
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