“Sinto-me em casa!”
No Bangladesh, um dia de greve é um dia de sangue. A instabilidade política que se vive naquele país asiático levou a que Agustin, até então funcionário de uma ONG internacional de combate à pobreza e ao analfabetismo, decidisse deixar o seu país para se aventurar na Europa. “Quando o partido da oposição, o Partido Nacionalista do Bangladesh, convoca greves nacionais, não podemos andar livremente nas ruas, não podemos trabalhar e corremos o risco de ser apedrejados, ou mesmo mortos, caso nos apanhem na estrada a conduzir”, diz o imigrante, há dois anos em Portugal.
Cristão, Agustin pertence a uma pequena minoria religiosa no seu país de origem, dominado largamente pela população muçulmana (90% dos habitantes). “No entanto, ainda há liberdade de culto no Bangladesh. Eu e a minha família íamos à igreja aos domingos e nunca fomos incomodados por muçulmanos”, conta. “O que não se pode fazer é escrever contra o Islão. Quem o fizer, pode esperar problemas graves”. Mas não eram as questões religiosas que mais o perturbavam. A frágil economia, a insegurança e o trânsito infernal fizeram com que Agustin se fartasse da vida que tinha: “Eu trabalhava numa cidade a 400km de Dhaka e da casa onde vivia com a minha esposa e a minha filha, de 16 anos. Todas as sextas-feiras demorava de 8 a 12 horas a chegar a Dhaka. Se chegasse demasiado tarde, tinha de dormir na estação de autocarros porque era perigoso continuar na estrada de madrugada. Só ao nascer-do-sol via a minha família”, relata. “Além disso, roubaram-me a casa duas vezes. Foi sempre no Natal, enquanto estávamos na aldeia a passar o Natal. Levaram-me muitos valores”.
Agustín sonhava com a Europa: “Imaginava um lugar calmo, seguro, com paz e direitos humanos. No Bangladesh, pertencia à classe média. A minha situação económica era estável. Não viajei por causa do dinheiro mas sim para encontrar tranquilidade e respeito”. Conseguiu um visto de estudante para estudar Organização de Eventos a 100km de Amesterdão. “Como tinha o estatuto de estudante, a lei holandesa não me deixava trabalhar mais de dez horas por semana, o que era muito pouco para as minhas necessidades”, diz o bangladeshi, que pagou 12 mil euros por um ano de propinas na Holanda.
“Informei-me com um amigo nepalês que me disse que Portugal era o país em que o processo de legalização era mais fácil. Aqui, pelo menos teria papéis”. Em Lisboa, respirou de alívio ao sentir uma brisa mais amena, mas tremeu quando se apercebeu das dificuldades em encontrar emprego. Passou o primeiro mês num pequeno quarto no lar de uma família nepalesa, em Arroios. “Finalmente, alguém me disse que na agricultura havia trabalho para mim. Fui primeiro para a apanha da amora, em Grândola, depois para a colheita de pimenta, tomate e beringela, no Carvalhal, perto da Comporta”, diz, não escondendo uma expressão de sofrimento quando recorda os meses de Verão em que o sol lhe queimava a pele e triturava o corpo.
“Eu era empregado de escritório, não estava habituado ao trabalho físico. E, no fim do mês, ganhávamos muito pouco: entre 300 e 450 euros”. Só um ponto positivo: após seis meses o SEF chamou-o para o registo. Em Julho de 2015, Agustín conquistou o direito de residir em Portugal.
Mas, antes, viveu tempos conturbados. Depois da lavoura voltou para Lisboa e não havia trabalho. O dinheiro mal dava para a renda uma casa partilhada com conterrâneos no Cais do Sodré. Contudo, as idas dominicais à missa iriam inverter-lhe o destino: “O padre Vaz Pinto, da igreja de São Roque, indicou-me que o JRS me podia ajudar. Passei por três entrevistas e acabei por ser chamado para o centro [Pedro Arrupe], onde me ajudaram a conseguir emprego, inscrever-me na escola de condução e onde me proporcionaram alojamento gratuito”. Hoje, Agustín divide-se entre o trabalho numa empresa de desinfestação de pragas e insectos e as aulas de condução. “Tenho muito a agradecer aos portugueses, que são amistosos e prestáveis. O meu nível de português está a melhorar diariamente e tenho a certeza de que vou fazer ainda mais amigos quando dominar o idioma”. Sonha com o reencontro com a esposa e com a filha, que não vê há dois anos: “Espero que venham ainda este ano. Nessa altura, tenciono mudar-me para um apartamento com elas”. Com o dinheiro que a sua mulher vai trazer do Bangladesh, Agustín vai abrir uma pequena mercearia em Lisboa. “Não quero voltar para o Bangladesh nem mudar-me para um país europeu mais rico. Aqui sinto-me em casa. Gosto do clima e das pessoas. Vou ficar aqui o resto da vida”.
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